segunda-feira, 21 de maio de 2012

BRINCADEIRA DE SÃO JORGE



Brincadeira de São Jorge
Óleo s/tela
100 X150
Alex Rocha
2012













"Deixai toda esperança, ó vós que entrais!"


Canto I


A selva escura - As feras - O espírito de Virgílio


Quando eu me encontrava na metade do caminho de nossa vida, me vi perdido em uma selva escura, e a minha vida não mais seguia o caminho certo. Ah, como é difícil descrevê-la! Aquela selva era tão selvagem, cruel, amarga, que a sua simples lembrança me traz de volta o medo. Creio que nem mesmo a morte poderia ser tão terrível. Mas, para que eu possa falar do bem que dali resultou, terei antes que falar de outras coisas, que do bem, passam longe.
Eu não sei como fui parar naquele lugar sombrio. Sonolento como eu estava, devo ter cochilado e por isso me afastei da via verdadeira. Mas, ao chegar ao pé de um monte onde começava a selva que se estendia vale abaixo, olhei para cima e vi aquela ladeira coberta com os primeiros raios do sol. A cena trouxe luz à minha vida, afastou de vez o medo e me deu novas esperanças. Decidi então subir aquele monte. Olhei para trás uma última vez, para aquela selva que nunca deixara uma alma viva escapar, descansei um pouco, e depois, iniciei a escalada.


Eu havia dado poucos passos, quando, de repente, saltou à minha frente um ágil e alegre leopardo. Astuto, de pêlos manchados, de todas as formas ele impedia que eu seguisse adiante. Não adiantava desviar ou buscar um outro caminho pois no final, ele sempre estava lá, bloqueando a minha passagem. Várias vezes tentei vencê-lo. Várias vezes falhei.
O dia já raiava e o sol nascia com aquelas mesmas estrelas que acompanharam o mundo no seu primeiro dia. A luz e a claridade daquele dia especial renovaram minhas esperanças, e me fizeram acreditar que iria conseguir vencer aquela fera malhada.

Mas a minha esperança durou pouco e o medo retornou quando vi surgir, diante de mim, um leão. Ele parecia avançar na minha direção, com a cabeça erguida, tão faminto e raivoso que até o próprio ar parecia temê-lo. E depois veio uma loba, magra e cobiçosa, cuja visão tornou minha alma tão pesada, pelo medo que me possuiu, que não vi mais esperança alguma na escalada. A loba avançava, lentamente, e me fazia descer, me empurrando de volta para aquele lugar onde a luz do Sol não entra.

Quando eu já me encontrava na beira daquele vale escuro, meus olhos aos poucos perceberam um vulto que se aproximava, que apagado estivera, talvez por excessivo silêncio.

- Tenha piedade de mim - gritei ao vê-lo - quem quer que sejas, sombra ou homem vivo!

- Homem não mais - respondeu o vulto -, homem eu fui um dia. Nasci em Mântua, nos tempos de Júlio César e vivi em Roma no império de Augusto. Fui poeta e narrei a odisséia de Enéas, que fugiu de Tróia depois do incêndio. E tu, por que não sobes o precioso monte, princípio e causa de toda glória?

- Tu és Virgílio? - perguntei, vergonhoso - Ora, tu és meu mestre e meu autor predileto! Foi contigo que aprendi o belo estilo poético que me deu louvor. Eu não subi o monte por causa dessa fera. Ela me faz tremer os pulsos. Ajuda-me, sábio famoso! Ajuda-me a enfrentá-la!
- A ti convém seguir outra viagem - respondeu o poeta, ao me ver lacrimejando - pois essa fera, essa loba, é a mais feroz e insaciável de todas. Ela só partirá quando finalmente vier o Lebreiro que para ela será a dura morte. Ele não se alimentará nem de dinheiro, nem de terras; só a sua sabedoria, amor e virtude poderão nutri-lo. Ele virá para salvar a tua Itália caída. Ele irá caçar essa fera em todas as cidades até encontrá-la, quando então a matará e a conduzirá de volta ao inferno, de onde a Inveja, primeiro a trouxe para este mundo.
 Depois, me fez uma proposta:

- Eu acho melhor, para teu bem, que me sigas. Eu serei o teu guia. Te levarei para um lugar eterno onde verás condenados gritando, em vão, por uma segunda chance. Depois verás outros que sofrem contentes no fogo, pois têm esperança de um dia seguir ao encontro daquela gente abençoada. E depois, se quiseres subir ao céu, lá terás alma mais digna do que eu, pois o imperador daquele reino me nega a entrada, pois à sua lei eu fui rebelde.



- Poeta - respondi -, eu te imploro, em nome desse Deus que não conheceste, que me ajudes a fugir deste mal ou de outro pior. Eu te seguirei a esses lugares que descreveste. Que eu possa ver a porta de São Pedro e os tristes sofredores dos quais falaste!

Ele então moveu-se, e eu o acompanhei.



Trecho da obra A Divina Comédia de Dante









3 comentários:

  1. Sinto-me privilegiada em poder acompanhar o seu trabalho de perto! Posso dizer que sou sua fã!
    A cada trabalho você se supera! Esse como outros vi nascer no papel.
    Adorei a sua " brincadeira de São Jorge"! Uma verdadeira obra prima! Ora, todos são!

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  2. Cida Floresres Flores
    segunda
    Um dia desses vi um menino ao longe,tentar expressar o que sente . esse menino , de intensa peraltice quis mostrar a sua arte ,. Cores não lhe falta ,sonhos e imaginação lhe sobram . percebi que esse mesmo menino , não se contenta com poucas desenhos , ele tem sede , sede de criar , inventar ... tem lugares no mundo em que sonhamos em conhecer , mais esse menino quando pinta conhece todas os lugares . será que ele tem visto coisas que agente não ver? Creio eu , que a sua imaginação viaja pelo mundo a procura de novidades. Então quis conhece lo de perto , há.. agora conheço esse menino ,. Com toda certeza, o dom aliado ao prazer é o que o faz ser artista, dono das cores e assim se dedicando a brincar com pinceis , ele descobre um mundo , alem do que conhece , salpicado com gotas de tinta

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  3. Alex querido,
    Vir aqui é receber um banho de cultura e arte, sem contar as belezas de cores a nos brindar os olhos.
    Parabéns por fazer tão belo trabalho.
    Um beijo

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