sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

SOBRE O FIM













O MAIS DESPREZADO DOS HOMENS
0,80 X 1,20
Alex Rocha











            E todos refletiam sobre o fim, sobre o fim do mundo.

O caldeirão era mexido. Na TV, noticias sobre novos velhos conflitos entre Israel e palestinos; a crise econômica na Europa; a impopularidade do presidente francês...

 Apagaram-se as luzes na cidade das luzes.

Na América, tanto Obama como também os desempregos continuam. Na Venezuela, Hugo Chaves admite pela primeira vez um possível afastamento da presidência.

É fim do mundo!

No Brasil, deus é brasileiro! Tudo continua normal. As mesmas manchetes, novos e velhos personagens da corrupção são destaque em horário nobre...

“Até tu Lula” tem seu nome mencionado em escândalos.

É o fim do mundo!

Enquanto isso em nosso mundo, “Itapetinga” com seu dístico glorioso...

 É fim do mundo!

Agora a quimera que engolia trabalhadores da região, vomita agonizante esses mesmos trabalhadores.

É o fim do mundo!

E o pior, estamos todos assustados olhando para o firmamento, para os asteróides e constelações, esperando e procurando o fim. E o fim está dentro de nós. Na intolerância de todos os tipos, na incompreensão, no nosso egoísmo, na nossa racionalidade e falta da mesma, na falta de compaixão e insensibilidade, no nosso costumeiro poder de achar que tudo é normal.

Falta misericórdia, compromisso, altruísmo, em fim, falta amor...

Realmente estamos chegando ao fim!




Alex Rocha

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

OLHOS D'ÁGUA E SABÃO













ALEX ROCHA
OLHOS D'ÁGUA E SABÃO
1.00 X 1.50
Óleo S/Tela
2012









Manhã

Que meu sim,
Seja manhã...
E minhas mãos, Contemplação...
Que meus olhos sejam noites,
E os teus imensidão...
Que meus passos sejam,
Caminhos...
E meu coração, labirinto...     
Um quê de saudade
e outro infinito...
Que minha flor, nasça eterna...
Como uma parte que se despedi,
e outra que se declara.
Como lágrimas sem olhares,
sem contemplação
Como flores que são asas e
cantam estações...
Com os espinhos que fere seu grito.
Que outra parte seja tempo...
Outra parte lembrança,
Outra parte esquecimento
Mesmo sem cor,
Que seja esperança...
Que meu corpo seja palco,
e o seu poesia...
e que o amor seja aurora
que tecem nossas mãos,
Sinfonia...


Valdeique Oliveira - Poeta






sábado, 24 de novembro de 2012

MENINO COM FLAUTA











MENINO COM FLAUTA
Alex Rocha
ÓLEO S/tELA
0,20 X 0,30










DOS TRÊS MAL-AMADOS





O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés.  Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.



 As falas do personagem Joaquim foram extraídas da poesia "Os Três Mal-Amados", constante do livro "João Cabral de Melo Neto - Obras Completas", Editora Nova Aguilar S.A. - Rio de Janeiro, 1994, pág.59.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

DUELO






























DUELO 
Óleo sobre tela
1.50 X 80
Alex Rocha
2012




 SE OS TUBARÕES FOSSEM HOMENS


Se os tubarões fossem homens, eles fariam construir resistentes caixas do mar, para os peixes pequenos com todos os tipos de alimentos dentro, tanto vegetais, quanto animais.

Eles cuidariam para que as caixas tivessem água sempre renovada e adotariam todas as providências sanitárias, cabíveis se, por exemplo, um peixinho ferisse a barbatana, imediatamente ele faria uma atadura a fim que não morressem antes do tempo.

Para que os peixinhos não ficassem tristonhos, eles dariam cá e lá uma festa aquática, pois os peixes alegres tem gosto melhor que os tristonhos.




Naturalmente também haveria escolas nas grandes caixas, nessas aulas os peixinhos aprenderiam como nadar para a guela dos tubarões.







Eles aprenderiam, por exemplo, a usar a geografia, a fim de encontrar os grandes tubarões, deitados preguiçosamente por aí. Aula principal seria naturalmente a formação moral dos peixinhos.

Eles seriam ensinados de que o ato mais grandioso e mais belo é o sacrifício alegre de um peixinho, e que todos eles deveriam acreditar nos tubarões, sobretudo quando esses dizem que velam pelo belo futuro dos peixinhos.
Se encucaria nos peixinhos que esse futuro só estaria garantido se aprendessem a obediência.

Antes de tudo os peixinhos deveriam guardar-se antes de qualquer inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista e denunciaria imediatamente aos tubarões se qualquer deles manifestasse essas inclinações.





Se os tubarões fossem homens, eles naturalmente fariam guerra entre sí a fim de conquistar caixas de peixes e peixinhos estrangeiros.


As guerras seriam conduzidas pelos seus próprios peixinhos. Eles ensinariam os peixinhos que entre eles os peixinhos de outros tubarões existem gigantescas diferenças, eles anunciariam que os peixinhos são reconhecidamente mudos e calam nas mais diferentes línguas, sendo assim impossível que entendam um ao outro.

Cada peixinho que na guerra matasse alguns peixinhos inimigos
Da outra língua silenciosos, seria condecorado com uma pequena ordem das algas e receberia o título de herói.

Se os tubarões fossem homens, haveria entre eles naturalmente também uma arte, havia belos quadros, nos quais os dentes dos tubarões seriam pintados em vistosas cores e suas guelas seriam representadas como inocentes parques de recreio, nos quais se poderia brincar magnificamente. 

Os teatros do fundo do mar mostrariam como os valorosos peixinhos nadam entusiasmados para as guelas dos tubarões.

A música seria tão bela, tão bela que os peixinhos sob seus acordes, a orquestra na frente entrariam em massa para as goelas dos tubarões sonhadores e possuídos pelos mais agradáveis pensamentos.

Também haveria uma religião ali.

Se os tubarões fossem homens, ela ensinaria essa religião e só na barriga dos tubarões é que começaria verdadeiramente a vida.
Ademais, se os tubarões fossem homens, também acabaria a igualdade que hoje existe entre os peixinhos, alguns deles obteriam cargos e seriam postos acima dos outros.

Os que fossem um pouquinho maiores poderiam inclusive comer os menores, isso só seria agradável aos tubarões pois eles mesmos obteriam assim mais constantemente maiores bocados para devorar e os peixinhos maiores que deteriam os cargos valeriam pela ordem entre os peixinhos para que estes chegassem a ser, professores, oficiais, engenheiro da construção de caixas e assim por diante.

Curto e grosso, só então haveria civilização no mar, se os tubarões fossem homens.

Bertold Brecht (1898-1956)








terça-feira, 10 de julho de 2012

CÃOMICIO NO CALÇADÃO


ALEX ROCHA
Detalhe








Reunidos no calçadão central da Avenida Atlântica, entre as Ruas Souza Aguiar e Sá Ferreira, dezenas de cães participaram sábado à tarde de um comício autorizado, em princípio, pela Administração Regional de Copacabana. Eram cachorros das mais variadas raças e dos mais diferentes tamanhos, desde Pastores Alemães até miniaturas Pintcher. Junto ao meio-fio, no local da concentração, um carro-choque do Batalhão de Gatos, armados de unhas e dentes, garantia a ordem.

O primeiro a subir ao tablado, que era um engradado de refrigerantes emborcado, foi um Poodle branquinho, de rabinho cotó

- Nossos donos são irresponsáveis! - gritou ele

- Abaixo os donos irresponsáveis! - respondeu a multidão raivosa (embora toda ela vacinada)

- Todo poder aos cachorros! - prosseguiu veemente o Poodle branco, cujo focinho lembrava vagamente o de Jane Fonda, e que era tido, entre o Posto 6 e o Posto 4, como o líder inconteste do Dog-Power.

Em seguida pediu a palavra um Weimaraner azulado, de olhos tristes. Do alto do caixote, falou ponderadamente:

- Meus modos if... if... (estava chorando o coitado)... Meus modos refletem o do meu dono... Não quero mais passar vergonha sujando a calçada!

- Nós também não! - responderam em uníssono os manifestantes caninos. Lá do meio do povo, alguém latiu com voz de Pointer:

- Nossos donos precisam aprender que lugar de cachorro fazer suas "coisas" é em casa!

- Bravo! Apoiado! - concordou a cãonalhada.

- Pipi-dog! Queremos pipi-dog! - Puseram-se a ladrar cadelinha Basser - cinco ou seis, provavelmente da mesma ninhada. - Somos moças de família, e portanto temos direito a um lugar no apartamento, onde possamos fazer a nossa toalete em que os intrusos invadam a nossa  privacidade"

- Muito bem! Falou! Podem crer! - entoaram em coro os cinco Dobermans que moram no Edifício Chopin, um dos mais luxuosos de Copacabana, e que fazem pipi - vejam só a heresia! - na piscina do Copacabana Palace, que fica ali ao lado.

Agora, estava no tablado um musculoso Boxer, com sua cara abobalhada e seu tradicional bom coração.

- Senhoras e senhores - disse ele - sejamos objetivos. Desejo colocar em votação uma proposta simples, de três pontos, a qual, se aprovada, será encaminhada aos nossos donos, em forma de abaixo-assinado. Primeiro ponto:

- "Quero meu pipi-dog no apartamento"

- Apoiado! - gritou a assembléia

Segundo ponto: ... Mas, antes, para evitar tumulto, prefiro que os distintos companheiros, em vez de latirem, ladrarem, rosnarem e coisa e tal, balancem o rabo em sinal de aprovação. Aqueles que não mais possuem rabo poderiam uivar, mais docemente, pois uma de nossas preocupações principais há de ser a de não agravar a poluição sonora, de maneira a não indispor a opinião publica contra a nossa causa...
Todos balançaram o rabo, em silêncio. A questão do orador fora aceita. Ele então prosseguiu:

- Segundo ponto: - "Queremos fazer nosso cooper canino apenas no calçadão central da Avenida Atlântica..."

Rabinhos balaçaram para lá e para cá: aprovado.

- Terceiro ponto: "É preferível que não nos levem à praia, onde involuntatiamente causamos uma porção de doenças!"

Rabinhos alegres: de acordo.

- Desta forma - finalizou o Boxer - poderemos afirmar que somos felizardos e que temos donos educados!

- Nosso dono vai ser superlegal! - exclamou a assembléia, esquecendo a recomendação de só balançar o rabo.

Nessa altura, todos ali estavam com vontade de fazer cocô e pipi. Sendo assim, o Poodle branco decidiu dar por encerrada a reunião, recomendando que os manifestantes se dispersassem em ordem.

Mas nesse instante pulou no caixote um autêntico Vira-Lata, magrinho, de olhos famintos, as costelas aparecendos sob o pêlo ralo, o rabo enre as pernas.

- Irmãos! - bradou ele, ou melhor, essa palavra num gemido - Irmãos! Todos somos irmãos! Todos os cachorros são iguais! Portanto, o verdadeiro problema não está no pipi-dog doméstico nem no pinicão de apartamento. O necessário é que todos nós, os de pedigrees e os da rua, os de raça e os vira-latas, tenhamos, todos. direito aos cuidados veterinários periódicos, à vacinação gratuita, à alimentação farta e balanceada, à coleira protetora com sua placa de identificação, aos banhos seguidos de talcos contra pulgas.. Viva pois a revolução! Todo o poder aos cachorros, sem distinção de raça, cor ou credo!

-Uh! Fora! - gritaram os cães de luxo, que pertencen todos, naturalmente, à Diretia, e preferem que as coisas continuem como estão, no plano da justiça social. - Fora! Sarnento! Babão! Comedor de restos! Ralé!

A multidão de sócios do Kennel Club avançou na direção do anarquista, rosnando ameaçadoramente. Foi preciso que os gatos salvassem o Vira-Lata do linchamento inevitável, para o que o cercaram, dispersando a cachorrada com bomba de gás lacrimogéneo.

Em seguida, o Batalhão de Gatos levou o Vira-Lata para o lugar adequado a essa espécie agitador. ele agora está sendo processado e é capaz de passar o resto da vida num canil-presídio. Acusação: trata-se de um CÃOMUNISTA.



José Carlos de Oliveira
                                   Fonte: Para gostar de ler. vol. 7 - Crônicas. São Paulo: Editora Ática, 1987




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